As mídias sociais estão quebradas e implodindo
Mas será mesmo que uma internet melhor nos aguarda lá na frente?
(esse texto é uma atualização do original escrito em 27/abril/2020)
O título desse post foi retirado do artigo escrito por Annalee Newitz no jornal americano The New York Times intitulado “A Better Internet Is Waiting for Us” (“Uma internet melhor está esperando por nós”). Para a autora, as redes sociais envenenam nossa comunicação e, ao mesmo tempo, minam o processo democrático. Muito se fala em regulações e formas de consertar as redes, mas estas estão implodindo.
O ciclo de nascimento, amadurecimento, envelhecimento e inevitavelmente morte parece também ser uma realidade para as redes sociais. E parece que nem mesmo uma adaptação parece salvar esse processo. Muitos aqui se lembram do Orkut que, que durou dez anos e acabou sendo desativada em 30 de setembro de 2014. Fez muito sucesso no Brasil e até hoje muitos sentem falta das comunidades.
Existe um ciclo de vida quando trabalhamos com produtos digitais. Após a concepção da ideia e lançamento o produto passa a ser utilizado e pode ocorrer uma expansão do seu uso. Um platô é atingido e o produto precisa se reinventar para não entrar em declínio e/ou desuso. Essa reinvenção acontece nas Big techs, pois sempre temos novidades lançadas para amalgamar ainda mais o uso do produto em nossa vida diária. Não é fácil hoje trabalhar e falar com as pessoas sem o uso do comunicador verdinho da Meta. Segundo esse levantamento[1] do site "Avellar e Duarte", 85% dos bancos utilizam serviços pelo WhatsApp e 89% dos usuários alegam já ter sido atendidos por chatbots.
Segundo essa outra pesquisa[2] da Opinion Box, de cada 10 brasileiros, 9 entram no aplicativo de mensagens pelo menos uma vez por dia. E tem ainda mais, pois 59% dizem que checam o aplicativo várias vezes ao longo do dia e outros 36% deixam ele aberto o tempo todo, seja no computador ou no celular. O próprio uso do WhatsApp Web torna ainda mais comum e facilitado estar sempre disponível às interrupções.
Mas, falando das redes no sentido lato, o problema é a abundância de dados privados que as estas conseguem a partir dos relacionamentos que você constrói, as pessoas com quem mais conversa, a frequência e até mesmo as pessoas que dividem grupos de mensagens com você. Então, não basta o aplicativo ter criptografia e alegar que as mensagens não são lidas e sempre criptografas do ponto A até o ponto B. As trocas de mensagens que você realiza sim são criptografadas, porém, outros dados adjuntos a isso traçam seu perfil de uso, te identifica e esses dados são utilizados em outros aplicativos da mesma empresa.
Esse cruzamento de dados que é o problema. É possível, dessa forma, desenhar sua rede de relacionamentos, pessoas com quem lida diariamente e desenhar o seu perfil. Soma-se a isso o cruzamento de dados existentes, por exemplo, a partir do número do seu telefone celular usado em mais de um aplicativo da mesma empresa.
Outro ponto que a autora discute é a possível tendência/solução da “slow media” ou mídia lenta onde, por exemplo, algo que você postar não será imediatamente publicado, mas sim algum tempo depois. A ideia seria construir uma experiência diferente nas redes. Isso daria tempo, por exemplo, para curadores e revisores humanos a olharem o que está para ser publicado e não deixar tudo por conta dos algoritmos.
Cabe aqui uma pequena nota sobre a "Slow Media". Um movimento pequeno mas crescente e de nicho é a questão da Slow Web. Por exemplo, o retorno dos blogs pessoais e escritos sem o uso, claro, de inteligência artificial. Esse pequeno texto é um exemplo de Slow Web. O site onde hospedo tudo que escrevo usa uma plataforma alternativa, simples, e fora das Big Techs.
Algo para se pensar:
“Isso porque na realidade temos mais controle sobre quem entrará em nossas vidas particulares e quem aprenderá detalhes íntimos sobre nós. Buscamos informações, em vez de colocá-las em nossos rostos sem contexto ou consentimento. Lentamente, a mídia com curadoria humana refletiria melhor como a comunicação pessoal funciona em uma sociedade democrática em funcionamento. “Annalee Newitz
Eu acredito que nos próximos anos mudanças ocorrerão no funcionamento das redes e nossa ligação e interação com elas. Talvez um retorno gradativo à privacidade e mais opções de limitação do que pode e não pode ser compartilhado. O problema é que não é simplesmente você escolher não divulgar certa informação. O problema é a informação não explícita que as redes fazem uso. Seu perfil é construído a cada interação nas redes, não é anônimo, e focado no consumo. E hoje está difícil desligar essa vigilância.
Isso tem solução? Não é tão simples assim, pois a opção de não usar um comunicador não é só sua. É difundido e acaba se tornando um padrão de comunicação. Infelizmente esse padrão está na mão de uma empresa, e nossos dados também. Frase clássica, mas "se o produto é de graça na realidade o produto é você".
Uma forma de resistência é usar mecanismos, serviços e aplicativos quando possível fora das tradicionais. Além disso, usar coisas de empresas diferentes numa tentativa de minimizar o compartilhamento de dados. Se a inteligência do algoritmo já é perigosa no uso de informações de um aplicativo apenas, quando se junta isso com seu uso de vários lugares diferentes é possível te conhecer ainda melhor.
Regularização do uso e leis limitando essa força são necessárias. Até lá, resistimos o quanto podemos.
[1] https://www.avellareduarte.com.br/telefonia-movel-2022-estatisticas/
[2] https://blog.opinionbox.com/pesquisa-whatsapp-no-brasil/
Caro Mestre e Ir:. Tiago Bacciotti, parabéns pelo excelente texto; suas reflexões são sempre pontuais e contundentes. Você conseguiu capturar a essência dos desafios atuais e propor reflexões importantes.
É muito bom receber suas mensagens e comentários orientativos.
Grande abraço
Nelson Alexandre:.