Homem, o Senhor do Tempo
Um ensaio sobre o tempo vivido, o instante pleno e a eternidade construída
Em uma conversa com um amigo essa semana (obrigado, Guilherme!), este me disse uma frase interessante que me serviu como uma fagulha para acender uma reflexão positiva: “O homem deve ser o senhor do seu tempo”. Cabe ressaltar que o termo homem aqui se aplica, obviamente, a homens e mulheres. O sentido é “ser humano”, podendo também ser escrito como “O Ser humano deve ser o senhor do seu tempo”. Porém, na minha concepção, a palavra homem se encaixa melhor.
Antes de adentrarmos no que é ser senhor (ou senhora) do seu tempo, como dominá-lo e para que fazer isso, vamos primeiro fundamentar nosso raciocínio em alguns conceitos1.
Primeiramente, existe o tempo chamado de Chronos. O que hoje em nosso país é o nome de um automóvel significa, na verdade, o tempo que é cronológico, o tempo que é sequencial e, dessa forma, pode ser mensurado. Esse é o tempo que você conta no relógio e é o tempo que te entedia após longos minutos de espera.
Esse você conta no calendário e aumenta (ou diminui) seus “janeiros” de vida a cada ano. Ele representa o tempo que passa, o tempo que não volta e que se perde. É a ação de Chronos que envelhece as coisas e também nos envelhece. Esse é o nosso tempo da rotina, da produtividade e combustível de nossa ansiedade.
Chronos deve ser respeitado como poderoso que é. Pois a justa medida é não desperdiçar Chronos e, ao mesmo tempo, não ser seu servo, cronometrando de forma micro gerenciada tudo que devemos fazer. Mesmo assim, Chronos é impiedoso e nos obriga a consultar a agenda, a organizar nossas contas mês a mês e que, ano após ano, traz mais cabelos brancos (ou simplesmente a falta de cabelos). Chronos é quantitativo.
Existe também o tempo oportuno, aquele instante decisivo que traz em seu bojo o tempo qualitativo. É o tempo e as memórias cheias de significado. São as coisas que simplesmente aconteceram no momento certo. Às vezes, a sincronicidade traz uma epifania. É como se tudo conspirasse em silêncio para se encaixar “na ordem geral das coisas do mundo”. O tempo não é mais uma linha reta. Ele se curva. Ele perpassa.
Kairos é esse tempo. Kairos é o tempo da intuição. Kairos é o tempo do espírito. Kairos é amigo dos artistas em geral, pois ele dá a revelação e a inspiração. Arrisco a dizer que a musa inspiradora vive Kairos.
Tem algo interessante no tempo de Kairos que o psicólogo Mihaly Csikszentmihalyi chama de Flow2 (fluxo em tradução livre). O Flow é um estado psicológico onde a pessoa está totalmente engajada e imersa em uma atividade. É o hiperfoco que leva o indivíduo a perder a noção do tempo ou do próprio “eu”. Imagine que você está realizando uma tarefa de que gosta muito e quer muito dar o próximo passo, imagine que nessa tarefa aparentemente, graças a seu foco, você tem a sensação de estar trabalhando praticamente sem esforço. Somente seguindo o fluxo. Somente sentindo o Flow. A própria atividade traz prazer intrínseco e quase sente uma leve distorção do tempo.
Isso pode acontecer com um músico dedicado tocando algo, um programador com hiper foco resolvendo um problema, um artista pintando e até mesmo um ritual espiritual ou místico profundo.
Quando você está em estado de Flow é como se Chronos deixasse de existir, você não mede o tempo. Você sente o tempo. Você está em Kairos.
Kairos é qualitativo.
E temos o terceiro tipo de tempo. É Aion. Aion se refere ao “tempo eterno”, é uma concepção de tempo infinita, cósmica, que se refere a ciclo e plenitude. Aion é o tempo espiritual.
Na tradição hermética3, Aion é também uma divindade associada ao tempo eterno e ao zodíaco. FAIVRE(2005) traz que “Na tradição hermética, Aion não representa o tempo que corre, mas o tempo que é. Trata-se da eternidade viva, circular, fora do relógio, onde os deuses operam e o espírito humano se reconecta ao eterno. É o tempo da revelação, não da sucessão.”
E agora? O que podemos fazer com essas três dimensões do tempo? Enquanto Chronos é o tempo que aprisiona, nos abrigamos em Kairos que é o tempo de nossa consciência. Só que isso permeado por Aion, o tempo que transcende.
Ao nos referirmos como Homem, o Senhor do Tempo, é lícita a ideia de que precisamos nos tornar senhor do instante. Para Sêneca4, a vida é suficientemente longa se for bem aproveitada e por isso não devemos desperdiçar com atividades fúteis. O objetivo é viver intencionalmente o momento atual, o Agora. O passado já não existe mais, o convite é valorizar cada instante como uma excelente oportunidade de ação e também de reflexão.
Já no Budismo Zen5 a atenção plena é essencial para alcançar a paz interior e compreensão profunda da vida. Assim, a ideia de ser senhor do momento presente, ao cultivar a atenção plena, nos torna responsáveis por cada instante.
E, conseguindo conciliar esse momento presente, é imperativo também dar sentido ao tempo. É o esforço em dar forma ao que permanece e assim cultivar um legado e deixar marcas e memórias duradouras.
O tempo se esvai como grãos de areia nas mãos. Não é possível contê-lo ou dominá-lo. Mas podemos resistir. A Resistência como senhor do tempo é encontrar o equilíbrio e domínio de Chronos, Kairos e Aion.
Um nos impulsiona a nos organizarmos, nos leva a medir as coisas. Já o segundo explora o sentido qualitativo no passar do tempo e o terceiro nos lidera na construção do legado.
Para uma pessoa que vive noventa anos, isso pode parecer tempo demais e bem distante. Já 4.160 semanas (número de semanas em 90 anos) nos dá uma dimensão mais real de que o tempo passa. E a nossa realidade (e eternidade) se constrói em blocos pequenos, em blocos de semanas. O convite é a cada uma dessas 4.160 semanas que todos vamos viver, se tudo correr bem, que dominemos essas três condições de tempo.
O nosso tempo não é infinito. Mas é o bastante.
É tempo suficiente para o Homem, Senhor do Tempo.
PEDRONI, Fabiana. Chronos e Kairós: determinações poéticas para o tempo vivido. Colóquio – Revista do Programa de Pós-Graduação em Artes da UFES, Vitória, v. 10, n. 1, p. 1-15, 2013. Disponível em: https://periodicos.ufes.br/colartes/article/view/7724. Acesso em: 12 abr. 2025.
CSIKSZENTMIHALYI, Mihaly. Flow: The Psychology of Optimal Experience. New York: Harper & Row, 1990.
FAIVRE, Antoine. O esoterismo ocidental: uma visão panorâmica. São Paulo: Madras, 2005.
SÊNECA. Da brevidade da vida. Tradução de José Eduardo S. Lemos. São Paulo: Martin Claret, 2006.
THICH NHAT HANH. O milagre da atenção plena. Tradução de Márcia Pinheiro. Petrópolis: Vozes, 1991.